Os agentes públicos, gênero trazido pela moderna doutrina administrativista e que no Direito Criminal levam a alcunha de funcionários públicos nos termos do art. 327 do Código Penal Brasileiro (Decreto-lei Federal n. 2.848/1940), são sujeitos a complexo sistema de responsabilidade no ordenamento jurídico brasileiro.
Esse é o primeiro de uma série de artigos de opinião que publicaremos sobre a matéria, de modo a esclarecer a comunidade jurídica e sociedade civil sobre tão importante tema que afeta a atividade desempenhada pelos funcionários públicos.
Em proêmio, é importante deixar claro que os agentes públicos dispõem de capacitação para o exercício de suas atividades, na medida em que o procedimento administrativo de concurso público de provas ou de provas e títulos seleciona para os quadros da Administração Pública apenas os que demonstram conhecimento teórico acerca das principais matérias que envolvem a atividade funcional.
Semelhantemente, os servidores públicos comissionados e agentes políticos, a depender da estrutura burocrática em que se encontram inseridos, são convidados a participar de cursos de ambientação e capacitação, de modo a deterem mínimas noções da importância de seus cargos e da cautela que devem ter no exercício de seus misteres.
Nada obstante tal realidade, a miríade de infrações administrativo-funcionais, político-administrativas e penais existentes no ordenamento jurídico brasileiro torna possível a qualquer momento a apuração de responsabilidade por supostos atos ilícitos cometidos, o que muitas vezes enseja a prática de atos por agentes públicos sem que tenham ciência de possíveis repercussões no espectro da responsabilidade funcional. Em suma: por vezes um agente público desconhece que sua conduta em determinado procedimento ou ato administrativo poderá ensejar responsabilidade, diante do mais puro erro de fato ou de direito.
De fato, ao se considerarem os estatutos de cada ente federativo (na União tem-se a Lei Federal n. 8.112/1990, além dos estatutos publicados em cada Estado-membro e Município da Federação Brasileira), o Código Penal com a categoria dos Crimes contra a Administração Pública (em sua maioria, crimes formais e que portanto dispensam a prática de atos que alterem o mundo fenomênico para que sejam consumados), bem como a Lei Federal n. 1.079/1950 e o Decreto-lei Federal n. 201/1967 (que dispõem sobre os “crimes de responsabilidade” – em verdade, infrações político-administrativas segundo a jurisprudência dos tribunais brasileiros), vê-se que há diversas formas de se responsabilizar agentes públicos pela prática de atos lesivos ao erário. E isso porque não mencionamos na lista acima os atos normativos infralegais aferíveis por meio das tomadas de contas especiais no foro próprio dos Tribunais de Contas da União, Estaduais e Municipais.
Logo, certamente a qualificação é fundamental para o exercício da ampla defesa e do contraditório nos feitos judiciais e administrativos de persecução por atos lesivos ao erário imputados a agentes públicos, pois envolve temas afetos ao que se passou a denominar Direito Administrativo Sancionador, além da repercussão no campo do Direito Penal Econômico, mormente quanto à categoria dos Crimes contra a Administração Pública.
Nesse primeiro texto, limitar-nos-emos a expor as instâncias de apuração de responsabilidade de agentes públicos por atos que resultem em lesões ao erário, a saber, o desvio, malversação ou dilapidação de recursos públicos, de ingressos ou receitas públicas.
Basicamente, sustentamos a existência de 6 (seis) instâncias de aferição da responsabilidade no Brasil em tal matéria, a saber:
Responsabilidade civil com ressarcimento ao erário (CRFB, art. 37, §4º);
Responsabilidade por ato de improbidade administrativa (CRFB, art. 37, §5º e Lei Federal n. 8.429/1992);
Responsabilidade administrativa por infração funcional (Estatutos próprios de cada ente federativo, em apuração via PAD);
Responsabilidade criminal por delitos contra a administração pública (Código Penal Brasileiro);
Responsabilidade política por “crimes de responsabilidade” (Lei Federal n. 1.079/1950 e Decreto-lei Federal n. 201/1967);
Responsabilidade administrativo-financeira por tomada de contas especial em tribunais ou cortes de contas federal, estaduais ou municipais.
Logo, como se pode observar, a responsabilidade de agentes públicos por atos lesivos ao erário não é matéria simples e exige do intérprete profundo conhecimento das regras e princípios aplicáveis ao Direito Criminal e ao Direito Administrativo Sancionador, de modo a apresentar amálgama que convença os julgadores nas diversas instâncias de responsabilidade, dada a vigência do princípio da independência de instâncias no Brasil e a coexistência, muitas vezes nas apurações por um mesmo ato praticado, de julgadores administrativos e judiciais (membros de comissões de PAD, juízes de direito, membros de colegiados políticos de impeachment, etc).
Continuaremos a discorrer sobre esse instigante tema em textos futuros, de modo a lentamente abarcar todas as instâncias de responsabilidade supracitadas, a fim de melhor esclarecer a comunidade jurídica e sociedade civil sobre os deveres e graus de responsabilidade dos agentes públicos, guardadas as peculiaridades de cada uma de suas espécies (servidores públicos efetivos, servidores públicos comissionados, agentes políticos, militares, dentre outros).